Histórico


Paul Richard Miller
Gabriela s. Schirmann
Aline Maria Salami
(in Sabores e Saberes do Arroz, 2007)

A ORIGEM DO GÊNERO ORYZA
Duas formas silvestres são identificadas por geneticistas como precursoras do arroz cultivado: a espécie Oryza rufipogon, procedente da Ásia, originando a O. sativa; e a Oryza barthii, derivada da África Ocidental, dando origem à O. glaberrima. O gênero Oryza engloba cerca de 23 espécies silvestres, dispersas espontaneamente nas regiões tropicais da Ásia, África e Américas. A espécie O. sativa é considerada resultante do cruzamento de formas espontâneas. A distribuição geográfica das 23 espécies do gênero sustenta a hipótese que o berço original de Oryza era o supercontinente Gondwanaland, que começou a se separar no período Cretáceo, dando origem à América do Sul, Austrália, Antártica, às partes principais do sudeste da Ásia e Madagascar.

A ORIGEM ASIÁTICA DO ARROZ 
Diversos historiadores e cientistas apontam o sudeste da Ásia como o local de origem do arroz cultivado. Na Índia, uma das regiões de maior diversidade, é onde ocorrem numerosas variedades cultivadas. Os grãos inicialmente foram recolhidos e consumidos por povos préhistóricos dos trópicos e subtrópicos úmidos.

Estes povos também caçaram, pescaram e recolheram outras partes comestíveis de outras plantas como alimento. Logo eles desenvolveram um gosto para o arroz cozido, e procuraram pelas plantas que possuíam grãos maiores e mais pesados. Uma hipótese sugere que o cultivo começou quando os homens (ou, mais provável, as mulheres) deixaram cair sementes nos solos em pontos baixos, onde já eram cultivadas espécies aquáticas como o inhame. A propagação das formas precoces do cultivo em ambientes novos ocorreu em função de alguns fatores que levaram aos três principais sistemas de cultivo: sequeiro, com lâmina de água e águas profundas.

A ORIGEM AFRICADA DO ARROZ
A domesticação do arroz africano (Oryza glaberrima) ocorreu há mais de 3 mil anos, em uma região que vai do Senegal à Costa do Marfim. A espécie glaberrima é caracterizada pela sua casca de cor avermelhada, grãos de tamanho pequeno, macios e com a tendência para quebrar-se em moenda mecanizada. No entanto, essas plantas são mais resistentes à salinidade, seca/aridez e enchente, sendo, por outro lado, mais suscetíveis às doenças do que o arroz asiático. A região africana, onde o seu cultivo ocorria no passado, corresponde hoje à costa da Guiné (do Senegal à Libéria). Estudos no ano de 1945 indicaram o centro de domesticação do arroz na África. Esses estudos apontam o delta interior do rio Niger central e seus arredores como o primeiro centro de domesticação da espécie O. glaberrima, aproximadamente 1500 A.C. Estudos de arqueologia apontam que ossos, os fragmentos de grão, e utensílios escavados no local revelam que a alimentação desses povos incluía arroz, peixes e carne. O arroz nativo da África foi substituído por arroz asiático, trazido por mercadores árabes na era cristã, mas as características originais do arroz africano marcam a agronomia e culinária atual do arroz no Brasil.

A IMPORTÂNCIA DO CENTRO DE ORIGEM CHINESA NA AGRONOMIA E CULINÁRIA DO ARROZ 
A cultura do arroz englobava um sistema sofisticado de conhecimentos desde a lavoura até a cozinha. Em países como a China e o Japão, o arroz é símbolo de fecundidade, associado a importantes fases da existência humana, como o casamento. Os tipos de arroz plantados nesses dois países são do grupo de cultivares sínica ou japônica, de grão curto, que quando cozidos se tornam grudentos. Esta característica facilita o uso de hashi para comer o arroz, e também o preparo de outros pratos, como o sushi e o sashimi. O arroz cru pode ser moído para farinha, inclusive para elaboração de muitos tipos de bebidas tais como o amazake, o leite de arroz e o saquê. As sementes processadas do arroz geralmente são fervidas ou cozinhadas para torna-las comestíveis, depois do que podem ser fritadas no óleo, ou na manteiga, ou ser batidas em uma tina para fazer o mochi (bolinho de arroz chinês cozido). O farelo de arroz, chamado nuka no Japão, é produto valioso na Ásia; é usado nas necessidades diárias, e aquecido para produzir um óleo muito saudável.

Na China, a agronomia do arroz evoluiu para ter plantas de baixa estatura e alta produtividade. A produtividade de sistemas de arroz irrigado está documentada, demonstrando um aumento de produtividade contínuo nos últimos dois mil anos. Em 1700, já haviam sistemas rendendo 10.000kg/ha. Estas variedades contribuíram para a alta produtividade de variedades modernas de arroz, todas com a mesma baixa estatura desenvolvida na China. A variedade chinesa ancestral De-Geo-Wo-Gen doou os genes de baixa estatura e alta produtividade às variedades modernas, a partir de cruzamentos feitos no IRRI (International Rice Research Institute), que transferiram estas características para o arroz agulhinha.


A DISPERSÃO DO ARROZ A PARTIR DO SUB-CONTINENTE INDIANO
O centro de origem indiano foi importante por dispersar o grupo de cultivar índica, ou tipo agulhinha, para a África e Europa. Da Índia, o arroz agulhinha foi impondo a sua presença na Europa e no norte da África (subsaara). Ao chegar na África, principalmente através dos árabes e mouros, substituiu o arroz da região, conhecido como O. Glaberrima e passou a ser plantado e consumido pelos nativos. Essa mudança se deu, principalmente, pela alta produtividade e por ser de preparo mais fácil. Na Europa mediterrânea, chegou primeiramente na Espanha como “aruz”, e mais tarde, na Itália. O uso de gordura animal ou vegetal no preparo do arroz começou na Índia e Pérsia, de onde os árabes introduziram o cultivo e o modo de preparar para o Mediterrâneo. O risoto italiano aponta para uma qualidade de arroz viscoso, utilizando algum tipo de gordura para salteá-lo e, então, adicionando-se gradualmente um líquido. O pilaf e a paella na Espanha, embora menos viscoso que o risoto, também utiliza gordura na preparação do arroz.

A AGRONOMIA E CULINÁRIA DO ARROZ AFRICANO
A agronomia do arroz, com manejo de lâmina de água por meio da maré em áreas costeiras, foi trazida por escravos negros da Costa do Arroz. Vários escritos por portugueses e outros europeus descreviam campos de arroz localizados na chamada costa da Guiné, às margens do rio Gâmbia. O saber que os escravos já praticavam em sua agricultura de subsistência na África, atravessou o Atlântico para o Caribe e o Brasil no século XV e daí estendeu-se às Guianas e à América Central, chegando finalmente à Carolina do Sul, no final do século XVII, onde foi aproveitado pelos brancos nas plantações extensivas. Esse cultivo africano estabeleceu-se em todas as áreas tropicais onde vigorava o regime de escravidão. Na África e na Carolina do Sul, os compradores de escravos preferiam cativos daqueles grupos africanos que tinham experiência milenar com o cultivo de arroz. A noticia de 11 de julho de 1785, publicada no Evening Gazette, anunciava a chegada do carregamento de um navio dinamarquês com “uma carga bem escolhida de escravos, que foram acostumados a plantar o arroz”. As centenas de imigrantes negros estavam mais familiarizados a plantar, capinar, processar e cozinhar o arroz do que os colonizadores europeus que os compraram.

Documentos históricos sobre o Brasil, reportando-se a meados do sécu11 lo XVIII, fazem freqüentes referências ao arroz, especialmente a uma espécie de casca vermelha, em uma grande área do nordeste da Amazônia. O arroz vermelho novamente torna-se bastante comentado durante a segunda metade do século XVIII, quando um sistema de plantação do arroz desenvolveu-se no leste da Amazônia com o apoio de Portugal. O objetivo era o de desenvolver mercados amazônicos de exportação para a metrópole e adjacências, e reduzir a dependência do arroz da Carolina do Sul, já que as colônias americanas haviam começado a Guerra Revolucionária. Isso levou à implementação, nos anos de 1760, de plantações de arroz irrigada de maré em regiões amazônicas do Amapá, Maranhão e Pará; à introdução da semente do arroz “Branco da Carolina” de alta produtividade (uma variedade Oryza sativa);a utilização moinhos movidos à água para o processamento do arroz; e à importação de mais de 25 mil escravos (muitos da região de cultivo do arroz da Guiné-Bissau), sendo que, em 1767, ocorreu a primeira exportação de arroz beneficiado para Portugal.

O arroz do tipo asiático ganhou preferência nas plantações do século XVIII, principalmente porque permitia a mecanização na fase de limpeza do arroz, reduzindo o tempo de trabalho, antes mais longo em função do uso dos pilões. Porém, o contínuo cultivo do arroz vermelho passou a ser uma preocupação oficial. Em maio de 1772, Portugal instituiu um decreto que previa a pena de um ano de prisão e multa para os brancos que plantassem esse arroz, e de dois anos para os escravos e índios. A medida até hoje não foi muito bem esclarecida, mas pode sugerir que essa variedade “vermelha”, da espécie O. glaberrima, foi proibida devido a seus grãos quebrarem com maior facilidade ao ser descascada. Assim, a mistura desse arroz com o do tipo branco resultaria em maior percentual de grãos quebrados, reduzindo os preços do cereal nos mercados europeus.

Apesar do arroz brasileiro atual ter origem asiática, a tradição culinária vem principalmente da África. Naquele continente, a parboilização do arroz, processo milenar, teve seu inicio na busca do aumento de rendimento de grãos inteiros, principalmente da espécie O. glaberrima. Este processamento se tornou um método industrial para processar arroz, utilizado principalmente no sul do Brasil.

Os métodos de cozimento do arroz atualmente revelaram uma grande ligação com a África, pois o arroz soltinho é uma característica do arroz africano.

No seu preparo, os africanos tinham o costume de queimar o arroz, formando uma casca e/ou crosta, possibilitando que o arroz do centro permanecesse solto. Esta crosta era umedecida pelas mulheres africanas para servir de refeição rápida para as crianças. A maneira cubana de cozinhar o arroz dá o seu próprio nome ao resíduo delicioso formado no fundo da panela, “raspa”. A esses costumes estão associadas crenças populares, como a que diz: “se menina come a raspa do arroz na panela, no dia do seu casamento cairá muita chuva”. Uma explicação para essa crença vem do fato de que a raspa era bastante “disputada” pelas crianças e se as meninas acreditassem nisso, deixariam a raspa sobrar para os meninos.

No período colonial, o processo de preparo e cozimento do arroz era tradicionalmente executado pelas mulheres. Outras formas de preparo, de forte influência africana, é o baião de dois, o arroz de cuxá (com folha de vinagreira) e o acaçá (espécie de bolo de arroz moído em pedra, fermentado ou não, cozido em ponto de gelatina consistente e envolto, enquanto quente, em folhas verdes de bananeira, dobradas em forma retangular, de maneira que fique o bolo protuberante no centro e achatado para as bordas), dentre outros.

As sociedades africanas com tradição no cultivo de arroz não cozinhavam o cereal com gordura animal. A forma de cozinhar o arroz no Mediterrâneo, fritar bem o arroz com gordura animal, não foi transferido para as Américas até mesmo nas áreas de colonização espanhola. Isto sugere que a tradição culinária de cozimento do arroz veio através dos escravos, mais do que através dos colonizadores. É importante ressaltar que, diferentemente das demais regiões do País, na região sul, principalmente no Rio Grande do Sul, o hábito tradicional é o de fritar o arroz. Acredita-se que isso se deu em função da colonização ter sido, predominantemente, de origem européia. Em toda a América, o método de cozinhar o arroz seguiu o estilo africano, favorecendo as variedades de grãos médios a longos, que se separam ao cozinhar.